Capítulo 3: Separação
Parte 1: A cidade com Muralha
- Escutou alguma coisa no rádio Ursinho?
- Ainda não, estão demorando mais do que eu gostaria.
- Quer que eu faça alguma coisa?
- Acho melhor já começar a se arrumar para quando eles falarem a localização a gente não perder tempo.
- Ok Ursinho, vou começar a arrumar as coisas.
- Eu já arrumei as minhas, então vou colocar o rádio de volta no carro e te esperar, ok?
- Ok! - Alice começou a arrumar a cabana, montando sua mochila.
Davi retirou a antena e a reinstalou no teto do carro, remontando o rádio no painel.
Enquanto esperava pela localização, ele ficou vendo Alice quase pronta, com a pistola na cintura, andando de um lado para o outro arrumando caixas com seus equipamentos de química.
- Natham na escuta?
- Sim Senhor.
- Eu consegui achar uma pequena cidade, mas não sei se é uma boa ideia, tem muitos Tagarelas lá, sem contar que não sabemos quantos Sangrentos...
- Já conversarmos sobre isso Senhor.
- Natham... tem um Muralha lá.
Davi congelou ao ouvir aquelas palavras.
- Natham?
- Tá, me fala onde é, iremos preparados.
Quando Davi voltou a si quase não teve tempo de pegar uma caneta e anotar a localização, ficava a norte de onde estavam.
Ele olhou pela janela do carro vendo mais uma vez Alice, segurou a chave que estava na ignição e deu partida no motor.
Sem perder tempo engatou a marcha com seu braço doendo e se afastou da cabana, sem olhar para trás.
Depois de algumas horas de viagem ele chegou até a cidade. Estacionou o carro em uma colina perto de algumas árvores, escondendo-o entre os arbustos. Depois subiu em uma colina com seu binóculo, vendo a cidade de cima.
Ficou horas a analisando, conseguindo ver inúmeros Tagarelas, por sorte não viu nenhum Sangrento lá em baixo. Ficou procurando pelas farmácias, mas apenas encontrou escombros.
Finalmente conseguiu achar uma, essa havia painéis solares no topo, mas estava com sua entrada fechada com um grande portão de metal. Parecia ser a única que estava intacta.
Mas o mais importante ele não conseguia achar. Onde estava o Muralha?
- Puros aqui é o Natham, estou saindo agora da base para cidade.
- Natham, ainda estou aqui. Tenha cuidado lá, estarei te esperando aqui quando voltar.
- Obrigado Paulo.
Davi desligou o rádio e olhou mais uma vez para a cidade, traçando uma rota em sua cabeça, evitando as ruas principais. Procurou por algum abrigo perto da farmácia, mas o único lugar que não estava cheio de Tagarelas era o terraço de um pequeno prédio que ele poderia usar caso não conseguisse passar pelo portão de ferro.
Já estava escuro, mas como ele não teria muito tempo antes do Natham chegar, teria que correr.
Davi começou a entrar na cidade com uma lanterna na mão direita, indo devagar de beco em beco tentado evitar o máximo de Tagarelas possíveis. Quando encontrava apenas um em seu caminho o acertava com a machete com sua mão esquerda, apenas um golpe, cravado na cabeça.
Quando finalmente conseguiu ver a farmácia no final da rua escutou um barulho de carro ao longe. Tentou ver de onde vinha e conseguiu encontrar um carro com 4 pessoas com fuzis saindo das janelas. No capô havia um símbolo de um abutre feito com spray preto.
Ele se encostou na parede, na entrada de um beco, e desligou a lanterna. O som do carro estava aumentando. Eles estavam se aproximando.
Davi começou a escutar passos vindo de trás, do final do beco, mas apenas havia uma parede de tijolos.
O barulho do carro aumentava e os passos fortaleciam, como se alguém estivesse em suas costas.
Thum.
Ele olhou para trás e viu uma criatura igual um Tagarela, porém com mais de 3 metros de altura atravessando a parede, parecia ser puro músculo. Era o Muralha.
Davi ficou agachado, imóvel no canto da parede. O Muralha continuou correndo até a entrada do beco, indo de encontro com o carro que estava passando.
O carro foi arremessado para dentro de um prédio e o Muralha foi destroçando o carro inteiro com as mãos.
Davi se levantou e saiu correndo, em direção ao prédio que havia visto antes.
Ao fundo só conseguia ouvir o som de metal torcendo, tiros e gritos de dor.
Ao chegar no terraço, sentou e tentou se acalmar em meio a todos os gritos. Com medo de não conseguir entregar os comprimidos a tempo para Alice.
Horas depois, agora com um silêncio ensurdecedor, Davi conseguiu ver rapidamente uma luz vindo da rua. Um grupo de 4 pessoas, com um líder indo na frente, um soldado parecendo mancar com outro o ajudando a andar e um no final.
Eles vinham andando devagar, matando os Tagarelas um a um de forma silenciosa enquanto iam em direção ao prédio que Davi estava.
Ele conseguiu escutar o grupo subindo, pegou sua pistola com a mão esquerda e apontou para a escada.
Um homem subiu e deu de cara com Davi, ficando totalmente parado.
- Não queremos problemas - Disse o homem.
Davi continuou com a arma apontada para ele.
Uma mulher subiu cambaleando as escadas, abafando a tosse com um pano, e atrás dela um outro homem que vendo a situação pegou imediatamente a arma, porém antes dele apontá-la para Davi, o líder o impediu - Noah, se preocupe com a Catarina.
Davi apontou a arma para o céu estrelado - Então Natham, esse é o soldado que vale a pena enfrentar um Muralha?
- O que você quer?
- O que ela tem?
Natham ficou encarando-o sem dizer nada.
Davi colocou sua mochila no chão, e com a mão direita começou a mexer nela.
- Se for por conta de uma bactéria, pode dar um desses que ela melhora - Disse, enquanto jogava uma cartela com 2 comprimidos na direção de Natham, que nem se mexeu. - São apenas antibióticos, se quiser pode escolher um deles para eu tomar.
Natham pegou a cartela e retirou apenas um comprimido, depois jogou a cartela de volta para Davi.
- Quer que eu tome esse? Ou posso guardar para ela mais tarde?
- Tome.
Davi pegou e tomou o comprimido.
- Você ainda não respondeu, o que está fazendo aqui? - Perguntou Natham.
- Assim como você preciso de um remédio que está lá dentro, depois volto para minha casa e nunca mais precisamos nos ver.
Natham deu o comprimido para Catarina e Davi colocou a arma no coldre.
O último homem que havia chegado diz - Natham, vai mesmo deixar ela tomar isso? Ele pode estar envenenando ela.
- Duvido que ele consiga passar do portão sem a gente, então se acalme Daniel - Ordenou Natham, enquanto Daniel fazia uma cara de desaprovação e desgosto a Davi.
- Qual foi o plano que vocês fizeram? - Perguntou Davi.
- Primeiro vamos montar acampamento, não vamos fazer nada antes do sol nascer.
- A gente poderia ir agora na farmácia e estar voltando para casa antes do sol nascer.
- Por que a pressa? - Perguntou Natham.
- Você conseguiu um pouco do seu remédio, mas eu não consegui do meu.
- Se esse é o caso. Noah, vê se tem um algum comprimido para ele.
Noah abriu a mochila e começou a procurar nela.
- Você vai dar um dos nossos remédios para ele? Você sabe que não temos muito para todos - Contestou Daniel.
- Não se preocupe, eu espero a gente entrar na farmácia - Disse Davi.
Todos começaram a se instalar no terraço.
Natham fez uma fogueira no centro.
Noah montou uma pequena barraca ao redor da fogueira e ajudou Catarina a entrar nela.
Daniel preparou um canto com comida, água e um espaço para se sentar.
E no final, Davi, Noah e Natham preparam colchonetes ao redor da fogueira.
Noah tirou um pequeno suporte, panela e ingredientes, começando a cozinhar.
Davi, sentado em seu colchonete perguntou - E o plano?
- O plano a gente discute amanhã - Respondeu Natham.
Noah começou a preparar os pratos e entregou o primeiro a Catarina - Muito obrigado pela comida.
- Você está com uma cara um pouco melhor - Comentou Noah.
- Estou me sentindo melhor.
- Mas ainda precisamos continuar a dar o antibiótico - Disse Natham, recebendo um prato de Noah.
- Você não tem mais com você...? - Perguntou Noah, entregando um prato a Davi - Qual o seu nome mesmo?
- Não, muito obrigado - Recusando o prato com as mãos - Sou Davi, e aqueles eram os meus últimos.
- Não precismos nos preocupar, amanhã já teremos mais antibióticos para ela e estaremos em casa - Falou Natham.
- Muito obrigada a todos por virem aqui, nunca vi um Muralha, mas sei que não é fácil. E obrigada também Davi - Disse Catarina abafando a tosse.
- O Muralha é tudo isso que falam mesmo? - Perguntou Noah.
- Pergunta isso pros 4 mercenários que tentaram chegar a farmácia primeiro que vocês.
- Caraca, 4 pessoas não conseguem dar conta de um Muralha?
- Um carro não deu conta de um Muralha.
- Você viu ele? - Perguntou Natham.
- Sim, passou do meu lado. Ele foi atraído pelo barulho que o carro estava fazendo. Não exageraram nas histórias.
- Que histórias? - Perguntou Noah.
Natham parou de comer e disse - Lá nos Puros me contaram uma história que em uma pequena cidade havia um cara grande que sempre estava machucado, no limite de se transformar, mas nunca acontecia, devia usar os comprimidos que a gente usa, até que chegou no dia que ele se transformou, em vez de virar um Sangrento ele virou um Muralha. Disseram que ele acabou com a cidade inteira quando se transformou, quase ninguém saiu de lá com vida.
Noah estava focado na história, até esquecendo de entregar o prato para Daniel - Mas porque ele não virou um Sangrento?
- Isso eu não sei - Respondeu Natham.
- Disseram pra mim que todos a sua volta sabiam que ele viraria um Muralha, como se desse para sentir isso - Disse Davi.
- Então eu posso me transformar em um Muralha? - Perguntou Noah.
Daniel riu - Não Noah, você no máximo se torna um Tagarela - Disse depois de pegar um prato e voltar para o seu canto.
- Davi, de qual comunidade você era? - Perguntou Natham.
- Um pequeno grupo ao Sul daqui. Teve uma invasão de mercenários lá e eu não consegui mais notícias. Tive sorte de sair de lá antes deles chegarem.
- Foram os Abutres? - Questionou Natham.
- Não, foram os Lobos que atacaram.
- Agora você está a onde?
- Numa pequena cabana a sudeste daqui.
- Ela fica a onde exatamente? - Perguntou Daniel.
- No meio do nada.
- Os puros deixam entrar pessoas novas? - Perguntou Noah.
- Talvez, nunca ouvi nada sobre aceitarem novas pessoas, mas também nunca vi ninguém chegar até esse ponto sem ter se infectado. Claro, ninguém que não fossem os Puros - Respondeu Natham.
- Nem iria adiantar, já me infectei a muito tempo.
- Mas pelo menos ele poderia fazer parte dos Impuros, né?
- Que porra você tá falando Noah? Ficou doido? - Disse Daniel agressivamente.
- Por quê? Ele está ajudando a Catarina, por que não levar ele pra lá?
- Gente, eu não...
- Natham, fala pra Noah que ele tá falando merda.
- Davi ir ou não para os Impuros dependeria de como a gente se sairá amanhã e se o Guilherme iria aceitá-lo.
- Pessoal, já deu de comunidades para mim. Agora eu só quero ficar sozinho.
- Mas Davi, ficar sozinho nesse mundo é horrível. Se continuar assim você pode morrer.
- Noah, isso é ele quem deve decidir. Fim da história.
Todos ficaram quietos, apenas com o som da tosse abafada de Catarina no fundo.
- Acho que já tivemos muita coisa para um dia. Vamos dormir e amanhã a gente discute o plano. - Disse Natham.
Davi deitou em seu colchonete com sua mochila ao seu lado, protegendo seu rosto da luz que saía da fogueira e adormeceu.
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